terça-feira, 1 de março de 2011
Estranhos no corredor
Era meados de agosto quando se rendeu. Ou será julho? Já não lembra mais; parece ter sido guardado em algum lugar longínquo de sua memória. Era inverno. O que viria a ser o melhor de todos em muito tempo. Ainda consegue fechar os olhos e lembrar das cores na parede da sala de estudos e dos perfumes. E de como aquele casaco azul era quentinho. Já não lembrava mais, ou escolhera por não querer lembrar. Porém, um dia, foi acometida de algumas lembranças que viriam de algo bem improvável: a chuva. Cada gota no telhado daquele sábado trouxe pra si um pequeno flashback de algo tão intenso quanto breve. Efêmero. Significante também (...) Sempre chovia. Desde a primeira vez. Desde a "bandeira branca", do baixar da guarda. Desde que o deixou entrar. Lembrou da primeira vez em que subiu aquelas escadas. Idagou-se: "o que diabos estou fazendo aqui?", mesmo sabendo que aquele ali era o lugar em que deveria estar. Pelo menos naquele momento. Lembrou do beijo tímido, do "é por aqui", do "tá frio", e ainda do "pensei que não acharia sua casa". Do suéter azul, do seu suéter listrado de preto e branco, da bolsa xadrez, do filme (era laranja mecânica) e do adormecer sem querer no sofá. Chovia muito. Era de se esperar que capotasse por ali mesmo. Eram duas da tarde quando a levou pra casa. Sorria com a exigência que ele tinha imposto: "exclusividade da mesma forma que tens". A cumpriu. Mesmo sabendo que num futuro breve desejaria nunca ter o feito e que ele mesmo quebraria tal exigência. Logo, namorados. Logo, desamores. E a chuva sempre acompanhando assim como o frio. O apelido que dara a ela não fazia jus à estação do ano. "Pequeno maracujá", era quase assim. Tanto cuidado. Jogado fora. Não consegue lembrar das partes feias, as bloqueou. Talvez esteja lembrando certo. A chuva deve ter lavado, levado embora. Das mãos, nunca esquece. Ela tinha obsessão por mãos e tinha escolhido as dele como preferidas. Não encontrou mãos parecidas com aquelas, nem quis. Memorizou cada canto, fotografias mentais: quarto, cozinha, corredor, sacada, álbuns, histórias, caminhos, a escada... E com o tempo esqueceu da voz, do perfume, dos cabelos e até das mãos. Desistiu de recordar. Porque tinha noites em que alguns sonhos traziam a ilusão de o ter perto. Coisa que a realidade de um novo dia desfazia. Fora essencial num momento crucial. Mas tinha desistido de lembrar. Tinha esquecido de uma parte do que fora. Do que conseguiu sentir. Que conseguia sem importar. Que o adorava. Que talvez nunca deveria ter subido as escadas. Que guardaria aquilo em algum lugar e que acharia meio sem querer, assim como aquele seriado que gravou pra assistirem num sábado chuvoso. E que não terminaram de ver. Achou, olhou, recordou, derramou algumas lágrimas tímidas e trancou de volta no lugar. Já não fazia mais sentido há muito tempo. E no outro dia haveria sol...
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