segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Vai passar.

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.
Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca ...


Caio Fernando Abreu




Eu mesma não saberia me descrever melhor.

Sobre um cara.

Jogou o cigarro na grama. O copo vazio também. Foi quando ele se aproximou, já sabendo meu nome. "Marjorie! Marjorie" - repetia simulando um sotaque francês. Figura simpática. Falou-me seu nome, mas sabia que assim que o dia se transformasse em outro, esqueceria. Era um nome simples. Ele era - ou parecia ser - uma pessoa simples. Já não trazia mais em seu rosto o frescor da juventude, mas se os olhos são as janelas da alma como dizem, aquele par de olhos embriagados não chegava a ter vinte anos. Falava comigo em inglês. Trazia em suas mãos algo colorido, fogos de artifício. Já sei, vou chamá-lo carinhosamente de "Firework". Serelepe. Pronunciava muito bem as palavras. Na verdade nem sei porque estávamos falando em outra língua. Efeito do álcool. Foram só alguns minutos, mas poderia ficar conversando ali com ele por horas e horas a fio. E tenho certeza de que Firework já havia viajado por vários lugares. Se não, onde teria adquirido o sotaque? Haveria de me contar suas histórias, talvez. Despediu-se dizendo algo como "get some mary jane". Como eu disse, serelepe. Fui pegar aquela que seria a última cerveja da noite, quando me deparei com fogos de artifício em meio às árvores. Era Firework, brincando com o que trazia em mãos enquanto conversava comigo. Mas tu não tinhas me dito que estava estragado? Talvez nem ele soubesse direito. Continuei meu caminho até o bar pensando que todo domingo deveria ser como aquele...

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Touché.

Passou. Passou como o outono que o trouxe e como o inverno que o manteve. Floresceu algo de efêmero na primavera que veio por fenecer no verão. Efêmero como só os mentirosos conseguem ser, conseguem mentir com os olhos; confundir. Pessoas vazias cujas palavras soam premeditadas, falsas. Cujos atos não visavam nada além de um objetivo muito bem planejado e executado no final. Pessoas que "olham" as outras como se fossem peças de um jogo de xadrez, cartas de baralho, seja lá o que for. Pessoas que não vivem, atuam. Fingem ser. Só pra conseguir o que querem. Pessoas de plástico, cujos olhos são feitos de vidro. Bonecos. Mais nada.




Porque não adianta mais ser cortês depois que já se conseguiu tudo o que quis, não é mesmo?

sábado, 11 de dezembro de 2010

"E o que você fez?"

Mudanças bruscas. Isso pode resumir o meu ano muito bem. Nunca gostei muito dessa história de resoluções de ano novo e todo esse blábláblá, mas é inevitável não parar pra refletir. E olha, fazendo um balanço, posso dizer que eu só ganhei. Ganhei maturidade, ganhei força, ganhei independência, ganhei amigos (principalmente amigos). No final do outro foram contabilizadas perdas, perdas das mais significativas. Perdas que moldaram o que eu sou hoje e que, sem dúvida, me fizeram e estão fazendo a pessoa que eu sou. Muita coisa mudou em um ano. Nós mudamos. Passa tão depressa que eu nem consigo me lembrar o quão perdida eu fiquei depois que ela se foi. O quão pesado seria o fardo que eu teria que carregar pro resto da minha vida. Mas depois de passada a "tempestade", tu começa a perceber que o mundo continua colorido como sempre foi. E eu tive os braços mais fortes pra me segurar enquanto eu caí. Aprendi tanto. E ainda tô aprendendo. Porém a epifania mais valiosa e que a maioria das pessoas da minha idade ainda não compreendem é que agora eu entendo meus pais. O lugar que eles ocupam, o zelo e o amor que eles têm pela gente (mesmo que muitas vezes não demonstrem). Cada recusa, cada bronca, o celular que toca no meio da festa pra perguntar se a gente vai demorar. O quanto eles abrem mão das coisas por nós. O quão guerreiros eles são e o quanto a gente significa pra eles. Pode parecer pieguice, mas foi o que eu falei pra uma pessoa essa semana: "tu só vai entender quando for pai". E é verdade. Compreendo agora porque assumi uma responsabilidade que não era minha. Nem precisava. Mas a família não é a coisa mais importante do mundo? Claro que é. Assim como a amizade. Assim como as pessoas que eu encontrei "pelo caminho". É engraçado como aprendi a dar o verdadeiro valor a cada uma delas, individualmente. Mesmo as mais distantes. O quanto aprendi a suportar, respirar fundo. Me respeitar. Aprendi que às vezes a gente deve deixar o julgamento das pessoas pra lá; elas não sabem sobre o que a gente já passou e há coisas mais importantes. Aprendi a cuidar de quem eu amo e a DIZER o quanto eles são importantes. Aprendi a suportar. A mudar o que não me agrada. E continuo. A vida continua. E pensar que existem pessoas que ficam à espera de algo que possa torná-las melhor. Abracei com coragem aquilo que me foi imposto. Talvez seja isso que me manteve firme, não sei. Se eu pudesse desejar alguma coisa pra alguém seria isso: MUDANÇA. Em um ano muita coisa pode mudar. E que venha 2011.




Não foi incrível, mas foi sincero.