segunda-feira, 21 de maio de 2012

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Naquela tarde de sexta-feira, a chuva começava a dar sinais com uns pingos tímidos caindo na janela do táxi. É só uma chuva passageira, dissera. A adoração por aquela cidade era evidente; naquelas ruas estava estampado um sonho, talvez um futuro próximo. Não saberia dizer se era por conta das amizades que ali mantinha ou por uma expectativa sobre aquelas noites que costumavam ser sempre satisfatórias. Um escape, sem dúvidas. Quatro horas e meia. Esbarra em números tentando quantificar os momentos. Aquele frio no estômago e a indecisão banal sobre o que usar à noite deu lugar àquela boa tranquilidade alcoólica. À medida que aquelas garrafas sobre a mesa fossem esvaziadas nada disso teria importância. Ainda mais isso! Cigarros e uma proposta: não poderia jamais dizer não. Sabia que sua escrita sempre giraria em torno dessa temática batida, mas não adiantava mais lutar contra isso. Era inerente a ela e cada vez que tentou lutar contra "isso" foi uma batalha perdida. Sabia desde muito tempo que as trincheiras não eram um lugar seguro. O que aconteceria era evidente. E sabia exatamente como se sentiria ao voltar. Obedeceria a esse desejo com vontade pela primeira vez. Era aquela já velha e conhecida carência falsamente preenchida. Só que dessa vez foi diferente. Veio sem culpa e deixou algo estranho em seu lugar. Naquele prelúdio de sábado era cedo e tarde demais. Despidos de qualquer pudor, eram envoltos simultaneamente nas palavras e no perfume um do outro. Uma simbiose perfeita. Os raios laranja que escapavam por entre as frestas da cortina contrastavam com aquele azul. Um par. Falava de si com uma naturalidade e uma franqueza absurdas. Aniversários próximos e tudo mais. Ficavam cada vez mais à vontade a cada verbo. E a cada toque... Se naquele momento as palavras lhe faltassem, tinha a certeza de que escreveria sobre isso depois. Era capaz de transformar qualquer ser e qualquer acontecimento por mais insignificante que fosse, em algo completamente apaixonante. Embora insignificante não caiba na descrição daquelas duas noites. Menos de vinte e quatro horas cravadas na memória. As pessoas eram sua paixão e sua ruína na mesma medida. Quem sabe isso caberia como uma significação perfeita daquela compatibilidade astrológica. Temperamental também serviu na ocasião. Engasga-se ao admitir que Queens of The Stone Age fez todo o sentido do mundo essa semana. E City and Colour no domingo foi providencial. Foi direcionado. Encontra-se aqui, tomando cuidado para não misturar primeira e terceira pessoa. Numa tentativa frustrada de descrever a intensidade daquelas horas e lutando para não admitir que espera revivê-las. I will see you again cabe perfeitamente nesse contexto de volta-espera-anseio. Ceder dá nisso e o faria um milhão de vezes se necessário. Só para relembrar. Quatro horas e meia. Oito e um. Coincidentemente uma data. Detalhes que só ela seria capaz de perceber. Ah, Josh, você tem toda razão... I can't make you hang around. I can't wash you off my skin.

domingo, 6 de maio de 2012

Sinto muito blues

Quem sabe eu deveria dizer mais "não". Cozinhar melhor, cuidar da mente como cuido do corpo, terminar de ler aquele livro, andar mais descalço e talvez, digo, talvez te chamar pra ir ao cinema comigo. Porque, sabe, não quero mais esses bares. Essas festas e seus amigos babacas. Mas não posso. Acabo caindo nas minhas próprias armadilhas e quebrando minhas próprias promessas. Eu não sabia, mas deveria ter te escolhido desde o início e não ter sido uma idiota contigo. Agora não importa, não importam desculpas e nem justificativas pobres sobre minhas atitudes infames. Minhas. Tão minhas quanto um belo erro. Dos erros, sempre os melhores. Queria que você não os visse e, se possível, não os catalogasse. Até porque já o fiz. Se eu pudesse, te diria que és uma possibilidade minha. Que tive medo. Que fui estúpida desde antes de te conhecer. É tarde. E são pessoas demais, coisas demais, sentimentos demais. Tu sabe que eu tenho esse jeito assim, meio torto de gostar das coisas. Torto, alcoólico e sincero. Profundamente sincero.